17 de julho de 2016

Moda sem gênero e a polêmica do comercial da C&A

Em março deste ano, um comercial das lojas C&A intitulado "Tudo Lindo e Misturado" começou a ser veiculado em rede nacional, ganhando repercussão momentânea e dividindo opiniões na internet. A peça publicitária de um minuto e meio mostra uma multidão correndo nua pelo campo de encontro às peças de roupas. Homens e mulheres trocam de roupas entre si, numa referência à diversidade e igualdade de gêneros. Foram seis dias de gravação em Torres, no litoral gaúcho, e na Serra do Rio do Rastro, cartão-postal de Santa Catarina.


A cantora gospel Ana Paula Valadão criticou a campanha no Facebook e pediu boicote à marca. "[...] Acredito que estão provocando para ver até onde a sociedade aceita passivamente a imposição da ideologia de gênero. Fiquei chocada com a ousadia da nova propaganda da loja C&A [...]. Que absurdo! Nós que conhecemos a Verdade imutável da Palavra de Deus não podemos ficar calados", disse. Logo, ela tornou-se um dos assuntos mais comentados do Twitter. Houve reações contrárias e favoráveis à opinião da cantora.

Para esclarecer o que é "moda sem gênero" e entender a proposta deste comercial, convidamos três modelos do elenco C&A, Angelo Bernardt Bonini, 19, fotógrafo, Patrick Rigon, 31, artista visual, ambos da agência Premier Models Management, e Mariana Pesenti, 23, da Super Agency. 


Modelos do comercial da C&A: Angelo e Patrick (ao centro) e Mariana (à direita).

CONFIRA A ENTREVISTA

1) Por que a propaganda da C&A gerou tanta polêmica?



- Angelo Bonini: "Porque abordou dois temas bem delicados. O nu, que é um tabu da sociedade - não é a toa que em muitos lugares públicos é até proibido uma mãe amamentar seu bebê - e ainda a quebra de gêneros, em que no comercial é representado por um homem usando um vestido e uma mulher usando uma cueca. 

A proposta do comercial era mostrar como as roupas nos identificam. Como se tivéssemos nascido naquele instante e estivéssemos atrás de roupas para complementar e mostrar quem somos. Através dessas roupas, mostramos nosso estilo e identidade. O bacana é que nem todos os meninos vestem roupas de meninos e nem todas as meninas vestem roupas de meninas, e aí é que o grande ponto do comercial: mostrar não somente as diferenças entre as pessoas (têm pessoas loiras, negras, asiáticas, ruivas, altas, magras, gordas) mas também as diferenças internas que cada pessoa tem, sem preconceitos".

- Patrick Rigon: "As críticas que acompanhei ou se tratavam de conservadorismo, preconceito, ou incompreensão. Talvez pelo assunto 'gênero' estar em voga e por outras marcas terem desenvolvido coleções sem gênero/genderless/unisex, algumas pessoas tenham compreendido erroneamente que a marca havia desenvolvido uma coleção 'sem gênero', porém em momento algum isso foi dito. A proposta da marca é um convite a uma possível 'ousadia fashion', misturando peças de vestuário das coleções masculinas e femininas sem distinção, sem preconceitos, conferindo liberdade para cada um vestir o que quiser, apoiando a diversidade e a liberdade individual".

- Mariana Pesenti: "Porque afetou as crenças de uma maioria conservadora. Ainda que a sociedade esteja passando por mudanças positivas, infelizmente ainda convivemos com pessoas que não conseguem lidar com certos tabus, como a nudez e as diferenças de gênero. O problema está na cultura de relacionar nudez a sexo e o gênero à sexualidade ou a determinadas cores e modelos de roupas, por exemplo. 

Além disso, a temática central da campanha já é polemica por si só, já que defende a diversidade, mistura e união, independente dos padrões, do gênero ou da sexualidade. Para entender a ideia central do comercial, é importante que as pessoas saibam que publicidade não é a vida real. Não é porque todos estão correndo pelados que a moda deve ser essa, não é porque a crítica é sobre a vida real que não se possa fazê-lo através de uma linguagem metafórica, que choque". 

2) Como você lidou com as críticas?


- Patrick Rigon: "Sendo que as críticas se tratam de preconceito, conservadorismo e incompreensão não merecem valor, não ligo. Pessoalmente recebi apenas elogios".

- Angelo Bonini: "Encaro com certa indiferença, mas fico triste pela humanidade. Tanta coisa ruim acontecendo nesse mundo e as pessoas preocupadas com um comercial onde mostra o nu tão poeticamente e a quebra de gêneros entre as roupas, o que pra mim são coisas totalmente normais, até porque desde criança eu visto roupas femininas e eu nasci pelado, poxa!".

- Mariana Pesenti: "Este é um assunto que rende anos de discussão, assim como tem rendido socialmente". 

3) Qual é a sua opinião sobre a declaração da cantora Ana Paula Valadão? 



- Mariana Pesenti: Não quero ofender ninguém ou o pensamento de qualquer pessoa com minha opinião sobre o assunto, ainda que todas as formas de preconceito e julgamento me revoltem bastante".

- Angelo Bonini: "A Ana Paula Valadão virou praticamente piada depois de ter exposto essa opinião absurda e eu até fiquei feliz por causa disso. Muita gente defendendo a ideia do comercial e criticando o posicionamento medieval dela, típico de pessoa que prega o ódio em nome de Deus. Então assim, ela é o tipo de pessoa que tem opinião difícil de levar a sério, então pra mim é bem indiferente o que ela pensa ou não".

- Patrick Rigon: "Essa não é a mesma senhora que disse que gordo não combina com igreja? Não é a mesma senhora para quem 'Deus' deu uma bota de cowboy feita de couro de Píton? (Risos). Coitada da Píton! Esse povo é uma piada, mentes obtusas, não sei como ainda são levados a sério por alguns. Quem se incomoda com uma propaganda que apoia a diversidade e a liberdade, deve ter sérios problemas pessoais. Comentário extremante infeliz, incentivando o ódio, a intolerância e o retrocesso".

4) Você acredita que a repercussão negativa do comercial revela um preconceito mascarado pela sociedade?

- Angelo Bonini: "Com certeza. Um preconceito absurdamente estranho, porque não estamos lidando com um preconceito 'normal' como o racismo e a homofobia, mas sim um tabu pelo corpo e o fato de ser errada a atitude da pessoa de usar a roupa que quiser".

- Patrick Rigon: "Não há aqui preconceito mascarado. Nas questões de gênero os preconceitos são bem descarados em nossa sociedade, eles não apenas viram piada, eles matam. Quanto mais fora dos padrões cisnormativos se transita, maiores são os riscos de violência".

- Mariana Pesenti: "Sem o choque, não há ruptura e a ruptura com a cultura do preconceito, muitas vezes velado pela religião, tem que acontecer. A sociedade não é coerente com um modelo branco, heterossexual, normativo, de classe média, mas sempre foi sinônimo de diversidade e também deve ser de libertação e de equidade".

5) Acrescente o que você jugar importante.

- Angelo Bonini: "Muitos pensaram que a C&A estava criando uma coleção sem gênero, e a criticaram, pois na loja ainda estava dividido entre masculino e feminino. A verdade era que a C&A nunca fez uma coleção sem gênero. A ideia era clara: misturar. O que a C&A fez foi dar peças femininas para homens, e não que a roupa não deixe de ser feminina".
- Patrick Rigon: "O Brasil tem números altíssimos de violência contra a população LGBT (população essa que rompe diferentes níveis dos papéis de gênero), além de ser o país que mais mata transexuais no mundo. Por esse motivo, fico muito contente quando grandes marcas tocam a causa, mesmo que de forma sutil... E mais contente ainda por fazer parte disso".

- Mariana Pesenti: "Sou muito crítica com a formação de uma bancada política que não é coerente com o povo que governa, com as religiões que deveriam lutar pelos direitos de todos igualmente, assim como seu texto sagrado e determinado que pregam, afinal, fé não tem cor e nem gênero. Por isso fico muito feliz de ver que algumas marcas estão se livrando de preconceitos e divisões marcadas de gênero".

PARTICIPE

Assista ao comercial da C&A "Misture, ouse e divirta-se" e deixe sua opinião.

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