“Ser mãe de uma criança especial é uma viagem não planejada, é como se quisesse ir ao Caribe e acabasse no Japão. Não foi onde ela escolheu estar, por isso, às vezes vai chorar e ficar desapontada, mas vai perceber que o Japão também é lindo. Não é onde queria estar, mas onde deveria estar, e terá que fazer de lá o melhor lugar do mundo. Com o tempo ela nem vai lembrar como teria sido ir ao Caribe, pois parece que o Japão sempre foi o seu destino”. Assim descreve a estudante de técnico em enfermagem Vitória Lopes Bica, 20, mãe de Valentina, 1, diagnosticada com mielomeningocele (deficiência congênita da coluna vertebral) na 25ª semana de gestação, uma malformação que afeta a medula delimitando os movimentos.
“Minha filha mudou tudo, minha visão sobre a vida, sobre o que realmente importa. Fez-me ver que nada se torna impossível quando existe amor”, fala Vitória. (Crédito da foto: Joice Bernardi)
MÃE VITORIOSA E FILHA VALENTE
Quando recebeu o diagnóstico, Vitória levou um grande susto, pois essa malformação vem com várias patologias juntas. “Tive que escolher entre me informar e me preparar para sua chegada ou entrar em sofrimento, questionando as vontades de Deus”, relata. Valentina nasceu com 31 semanas e sua família precisou ir a Porto Alegre, aonde ela iria se submeter a uma cirurgia logo após o nascimento. Aos 3 meses, a pequena precisou fazer outra cirurgia para controlar a hidrocefalia (acúmulo de líquido dentro do crânio).
Prestes a completar seu primeiro aninho Valentina começou a passar mal. Depois de dias sem que a família soubesse o que ela realmente tinha, foi transferida para Porto Alegre, e lá diagnosticada com meningite bacteriana (infecção que provoca a inflamação do tecido que envolve o cérebro e a medula). “Achei que naquele dia a perderia definitivamente. Foram inúmeras cirurgias, procedimentos e medicações, todas sem sucesso...”, desabafa Vitória.
“Sempre tive uma visão mais além de tudo isso, vejo que Deus me deu um presente, e me sinto honrada por ter sido escolhida. Sempre escutei e acreditei naquela frase: ‘Deus só dá filhos especiais para mães especiais’” - Vitória Lopes
Devido a todas essas complicações e várias crises convulsivas, Valentina teve um acidente vascular encefálico (derrame cerebral) que resultou em paralisia cerebral. “Depois de três meses de luta voltamos para casa com inúmeras limitações, mas com a felicidade de levá-la com vida para casa, novamente contrariando os médicos”, disse. Segundo ela, hoje Valentina já se alimenta normalmente, está recuperando os movimentos e emitindo alguns sons. “Eu falo para cada família que recebe um diagnóstico que não é o fim do mundo, é o começo de um novo mundo cheio de novidades, dificuldades e muita felicidade”, reconhece.
ANIVERSÁRIO ESPECIAL
MISSÃO DE VIDA
Vitória diz que essa é a maior e mais linda missão que recebeu, pois sempre quis ser mãe. “Com toda certeza, posso afirmar que conheci o maior significado dessa palavra, saber que o verdadeiro amor não é egoísta. Um filho com necessidades especiais é um presente que Deus pode pedir de volta, e cabe a nós vencer o egoísmo e deixá-lo fazer a sua vontade, vivendo um dia de cada vez e sendo feliz com cada evolução”, entende.
GÊMEOS AUTISTAS
Os estudantes Bernardo (na foto de amarelo) e Bruno Pereira Brum (de vermelho), 7 anos, são idênticos fisicamente, mas o autismo se manifestou de forma diferente. A mãe Cristiane Arruda Pereira, 34, funcionária pública municipal, descobriu o autismo de Bruno aos 3 anos, época em que ele começou a ter dificuldade de interação com os colegas na escolinha. Já Bernardo sempre foi mais tranquilo e sociável, mas começou a apresentar sinais do transtorno há um ano, quando teve algumas crises na escola e passou a ter muito medo de chuva. A dupla tem uma irmã mais velha, a estudante Isabele Pereira Pothin, 14, o “braço direito” da família. “Ela me ajuda e entende eles”, fala a mãe.
“Meus filhos são bênçãos, lindos, carinhosos, amorosos e inteligentes”, diz Cristiane
DESAFIO REDOBRADO
Cristiane notou que Bruno começou a ter comportamento agressivo e fugas, além de praticamente parar de falar. Até que o diagnóstico foi dado por um médico de Porto Alegre em setembro de 2013. “A partir daí começou uma batalha para evitar que ele se ‘isolasse’, como acontece com muitos autistas, também para trabalhar a fala e principalmente saber como agir diante do comportamento dele”, aponta. Por outro lado, Bernardo, além de conseguir decorar com extrema facilidade falas inteiras de um filme, por exemplo, repetia tudo enquanto conversava com outras pessoas. “Passei então a pesquisar, ler e a procurar ajuda para poder ajudá-los. Não foi fácil, e não é”, assegura.
“Para quem tem um autista em casa cada dia é uma superação. Ir ao mercado, passear e fazer coisas simples são desafios. Mesmo assim, nem sempre dá certo. Mas continuamos a luta” - Cristiane Pereira
“Para quem tem um autista em casa cada dia é uma superação. Ir ao mercado, passear e fazer coisas simples são desafios. Mesmo assim, nem sempre dá certo. Mas continuamos a luta” - Cristiane Pereira
Para Cristiane, ainda falta consciência das pessoas que não convivem com autistas. “Sei que não é fácil e nem sempre as pessoas estão dispostas, mas se cada um pensasse que pode vir a ter um familiar nessa condição e procurasse saber um pouquinho sobre o assunto, nos ajudaria e pouparia de constrangimentos, pois muitas vezes nossos filhos passam por crianças malcriadas”, desabafa. “Hoje, com a existência da Amacs (Associação dos Familiares e Amigos dos Autistas de Cachoeira do Sul), temos apoio e amparo em outras famílias que enfrentam o mesmo”, agradece a mãe.
A LUTA PELA INCLUSÃO
Michele dos Santos, 34, é advogada, assessora parlamentar e mãe de um jovem com síndrome de Down, o Mateus Freitas, 16, estudante. O amor pelo filho levou-a à luta pela inclusão social, tornando-se presidenta da Associação dos Familiares e Amigos do Down (Afad), onde ajuda mães e pessoas com Down a vencerem as barreiras do preconceito e da desinformação.
“A gente tenta, insiste, persiste. E mesmo diante das adversidades a palavra desistir não consta no roteiro”, afirma Michele
SEU LUGAR NO MUNDO
Ainda neste ano Mateus irá ingressar em um curso preparatório para o mercado de trabalho. “Tenho certeza que representará uma nova etapa na vida dele, com acesso à cidadania, dignidade, novas relações, amizades e principalmente visibilidade”, declara a mãe, que percebe no filho uma grande expectativa. “Afinal, o exercício de um ofício está intimamente ligado com a cidadania”, reforça Michele.
“É responsabilidade e compromisso das famílias auxiliar e ajudar os filhos a desenvolverem suas potencialidades, apresentar-lhes novas oportunidades e incentivá-los a entender e a conquistar o seu lugar no mundo” - Michele dos Santos
DESCOBRINDO O AUTISMO
Natural de Porto Alegre, Cíntia de Cássia Bastos Corrêa, 42, cuidadora de idosos, é presidenta da Associação dos Familiares e Amigos dos Autistas de Cachoeira do Sul (Amacs) e mãe de David Corrêa Andriotti, 13, estudante, diagnosticado com a síndrome de Asperger, um grau de autismo mais leve. Morando há quatro anos na cidade, Cíntia fala que a época do nascimento do filho foi de turbulência. Ela havia mudado de casa, mudado de emprego e ainda enfrentado uma separação. Mas foi David quem lhe deu forças para seguir em frente e superar os problemas pessoais. “Ele me fez dar uma grande reviravolta”, resume.
“O autismo me fez ver que eu tinha uma força interior bem maior. Hoje luto constantemente na Amacs visando o bem-estar dos autistas”, emociona-se Cíntia
Nesse meio tempo Cíntia não percebeu que o filho era autista, embora ele já apresentasse alguns sinais típicos deste transtorno, como brincar enfileirando brinquedos por cor e se isolar do convívio com outras crianças. Foi no colégio que vieram as dificuldades e a suspeita de haver alguma anormalidade. “Como tenho uma filha (Cindy Quetryn, professora) nove anos mais velha que ele, eu percebi que tinha algo de errado”, disse.
“O meu maior presente até hoje foi ter recebido uma carta no Dia das Mães onde o David disse: ‘Obrigado por não desistir de mim’” - Cíntia Corrêa
SUPERANDO AS DIFICULDADES
Aos 10 anos de idade David chegou a ser diagnosticado errado com hiperatividade (TDAH), mas foi a fonoaudióloga Cristiane Costa que identificou o autismo. Segundo Cíntia, foi ela quem também lhe deu forças neste momento, ensinando-a duas maneiras de agir: “Siga com fé e aprenda a superar ou apenas espere”. “Naquele momento não entendi nada, sem saber sobre o espectro ou como agir. Fiquei muito chocada, olhava e me perguntava onde errei. Chorei muito”, desabafa.
Em seguida Cíntia não deu início ao tratamento, mas percebeu que era hora de agir quando David teve um surto na escola. “Liguei para Cris (fonoaudióloga) e ela me deu as primeiras informações e quais providências cabíveis eu deveria tomar. Comecei a estudar, investigar, conversar e trocar experiências. Observar é a palavra-chave do autismo. Em meio aos surtos e crises, hoje vivemos um dia de cada vez”, completa.
Em seguida Cíntia não deu início ao tratamento, mas percebeu que era hora de agir quando David teve um surto na escola. “Liguei para Cris (fonoaudióloga) e ela me deu as primeiras informações e quais providências cabíveis eu deveria tomar. Comecei a estudar, investigar, conversar e trocar experiências. Observar é a palavra-chave do autismo. Em meio aos surtos e crises, hoje vivemos um dia de cada vez”, completa.
DAS DIFICULDADES À EVOLUÇÃO
Maristela Benetti Husek, 54, designer de sobrancelhas e depiladora, é mãe de Veruska Benetti Husek, 30, que nasceu com lesão neurológica e como consequência possui comprometimento neurológico e motor. Sua idade cronológica é 30 anos e a idade mental é de 5 anos. “O que faz dela uma bênção”, declara a mãe. “Ela me chama de ‘minha vida’ e eu sou tomada por uma emoção tão grande que me enche de alegria. Onde algumas pessoas veem dificuldades eu vejo oportunidade de evolução, de me tornar uma pessoa melhor”, fala Maristela. “A pureza e a energia da Veruska contagiam, tornando tudo leve, alegre. Eu agradeço todos os dias por ela ser minha e me sinto completa, realizada”, conta.
Para a mãe, as dificuldades são impostas pela nossa sociedade, que insiste em não fazer sua parte, ignorando a lei da acessibilidade e não respeitando as vagas para estacionamento. “Estou feliz porque isso está mudando”, admite.
ANIVERSÁRIO ESPECIAL
Festa de aniversário de Veruska. “Estamos lutando e conquistando nosso espaço. Nós estamos ocupadas demais sendo felizes”, disse Maristela
Em junho Veruska completou 30 anos com direito a uma festa a fantasia. Vestida de gata e contagiada de felicidade, Veruska recebeu a família e os amigos, que comemoraram a caráter, fantasiados de personagens como mágicos, vampiros, cowboys e super-heróis. “Com muito respeito, tenho o cuidado de fazer da vida da Veruska um mundo especial, onde tudo é bom e ela a pessoa mais amada. A autoestima é permanentemente trabalhada, e mais que ser amada, ela se ama e, sem modéstia, se acha linda, e isso faz toda a diferença”, enfatiza Maristela.
“O sentido da minha vida é a felicidade da minha filha. Com um objetivo tão grandioso, a vida ganha sentido e a felicidade deixa de ser um momento para se tornar uma divina rotina” - Maristela Husek
O CHOQUE INICIAL
A agente comunitária de saúde Alessandra Fabiane Schultz Pedroso, 42, é mãe de quatro filhos: Diego (26), Eduardo (23), Fabricio (21) e Miguel (5), que tem paralisia cerebral e epilepsia. Por conta destes problemas, Miguel não anda, não fala e não enxerga. Ele nasceu de 33 semanas e chegou a ficar 16 dias internado na UTI. “Mesmo ele não falando, é muito carinhoso. Conheço-o pelo olhar, sei se ele está bem ou não”, fala Alessandra, que conta com o apoio do marido José Carlos Pedroso, 45, funcionário público e pedreiro.
“O Miguel mudou totalmente a minha vida. Por ele vou até o fim do mundo se for preciso”, declara Alessandra
Alessandra conta que o primeiro diagnóstico foi síndrome de West (uma forma grave de epilepsia infantil). “Quando a doutora neurologista falou que ele seria uma criança totalmente vegetativa eu chorei, meu mundo desabou. Respirei e fui à luta”, recorda. Hoje Miguel faz sessões de fisioterapia, equoterapia (terapia com cavalos) e fonoaudiologia. “Ele frequenta a escola mesmo com todas as suas limitações. Trabalho meio turno e no outro levo o Miguel para as suas atividades. É uma criança muito amada pelos colegas e professores”, afirma Alessandra.
“Tem dias que não é fácil, mas o amor que tenho por ele me dá força para não desistir nunca” - Alessandra Pedroso
FAZER A INCLUSÃO ACONTECER
“É um amor que não tem explicação, estamos sempre juntos, não vivo sem ele. Estamos fazendo a inclusão acontecer, mas não é nada fácil”, assegura a mãe. Segundo Alessandra, a inclusão social é linda na teoria, mas na realidade é bem diferente. “Os profissionais que atendem o Miguel na Apcrim (escola de educação infantil) são fantásticos, mas existem muitos que não estão preparados para acolher uma criança especial”, aponta.
PALAVRA DE PROFISSIONAL
A psicopedagoga e mestre em educação Daiane Keller, 35, destaca que o nascimento de uma criança modifica toda rotina e sistema dos pais, trazendo diversos sentimentos e emoções, que podem desencadear aspectos positivos e/ou negativos. “Quando esse filho idealizado apresenta limitação em seu desenvolvimento é muito difícil de elaborar tal situação”, admite. No entanto, Daiane lembra que a dificuldade em aceitar perpassa pelos desejos projetados durante a gestação. “Nesse momento já começamos a sonhar e idealizar o novo integrante da família, então quando as dificuldades começam a surgir aquele sonho vai sendo quebrado e trazendo novos sentimentos”, justifica.
“Por muitas vezes a luta em não aceitar apenas prejudica e em nada contribui para que a criança tenha melhor desempenho”, alerta a psicopedagoga
ACEITAR QUE SEU FILHO PRECISA DE AJUDA – “Quando não buscamos ajuda especializada, todos os envolvidos serão prejudicados significativamente”. É o que adverte a psicopedagoga Daiane Keller. “Podemos pensar na desconstrução dessa família, desse casal, da escola que a criança frequenta, pois suas dificuldades serão destacadas todos os dias frente aos colegas, e obviamente da própria criança, que fica sem apoio e suporte para enfrentar suas limitações”, ressalta. A profissional recomenda aos pais buscarem ajuda especializada e não deixarem de investigar e entender a melhor forma de ajudar seu filho. “Grupos de pais, ONGs ou associações são boas alternativas para perceber que não se está sozinho, transformando problematizações em possibilidades”, indica.
VIDA APÓS DIAGNÓSTICO – Daiane fala que a vida pode ser diferente sim, mas pode ser uma feliz experiência, isso se você estiver aberto à grande jornada de aprendizagem e evolução, disposto a quebrar as barreiras e pronto para se desconstruir e se redescobrir como pessoa, mãe e pai. “Ainda me arrisco a dizer o quão lindo é perceber isso em cada família com que trabalho e que eu admiro e agradeço profundamente por toda confiança que me depositam”, declara.
2 PERGUNTAS PARA DAIANE KELLER
1) Qual é a importância de iniciar cedo o tratamento psicoterápico?
“Quanto antes essa família buscar ajuda melhor será o entendimento dela num plano de intervenção, ou seja, os profissionais podem auxiliar no processo de aceitação bem como em todo o trabalho a ser desenvolvido com essa criança. Sempre destacamos que quanto antes essa criança receber a orientação especializada melhor será o prognóstico, ou seja, estaremos conscientes de toda a intervenção necessária. Atualmente é inadmissível dizer que uma criança não precisa de suporte, pois a ciência avançou muito e disponibilizamos de diversos recursos terapêuticos para auxiliar as mais diversas patologias”.
2) Quais os benefícios da psicoterapia na vida da criança e da família?
“Qualidade de vida é o principal, e esse termo é bastante abrangente, pois podemos pensar que essa qualidade se alastra em todos os ambientes em que a criança frequenta. Sendo assim, a família, amigos, terapeutas e instituição escolar estarão em sintonia na busca de melhor desenvolvimento global dessa criança que apresenta necessidades especiais”.
Fonte: Revista Linda - ano 9, nº 109, dezembro 2016 (adaptado).
Texto: Gabriel Rodrigues.
Revisão: Marielle Rodrigues de Oliveira.
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